Vídeo realizado durante a intervenção Teto de Areia na ocupação Maria Bonita, em 19/07/15
Vídeo: Mirrah Iañez
canção de amor para Maria Bonita
quinta-feira, 23 de julho de 2015
tRANSBORDa
por Diogo Rios
tRANSBORDa
Sobre
a intervenção Enterro do Volume Morto – Coletivo Território B
Diga
Rios
Sondas,
foguetes, satélites, pedaços de metais lançados ao infinito em
busca de pistas de um novo mundo - muito além da transposição do
atlântico - habitável e ainda suficientemente distante da cobiça,
capaz de suportar vida, oxigená-la e multiplica-la, através d’água.
Estranho projeto o humano, o de lançar-se em busca da vida líquida
enquanto soterra e pisoteia o que majoritariamente nos constitui.
O
curso vital, a fluidez, natureza do liquido, infiltrando-se no solo e
fertilizando a existência, interrompida por canais, asfalto,
blindagens, lucro. Desejo de controle da vida-água, em retificações
positivistas, grandes represamentos que estacionam o movimento e
produzem água parada, amortecida, volumes mortos. Veneno de ilusório
progresso, chumbo, mercúrio, cádmio armazenado, água morta de
ciclo, encarcerada nos buracos das escavadeiras e no conforto de
torneiras abertas que, em iminente secura, revela limites de uma
civilização suicida.
Desvela
que somos milhões de amotinados em estranhas concentrações
urbanas, espécies disfarçadas de campos de refugiados que resistem
às propriedades privadas, às expulsões dos campos férteis, às
negações de existir e às seduções do poder de compra de água
engarrafada, privatizada, em um cotidiano de guerra de todos contra
todos na competitividade mercantil. Acotovelamo-nos no ir e vir,
estado de pressa, ritmo produtivo, em cegueira “Non
ducor, duco”1,
louvação dos pelotões de extermínio-bandeirantes que usufruíram
dos leitos fluviais para tingir seu curso de sangue antes de
represa-lo. A água segue parada, esgotada, esgoto em processo de
“comoditização”.
Mas
somos água, alvo da disciplina das engenharias de poder, urbanas,
escolares, publicitárias, estatais e privatistas. Somos
potencialmente água, para penetrar nas frestas e corroer muros de
contenções, produzir ressignificações em fluidez, interromper o
estacionado movimento hegemônico e movimentar um outro transbordar,
ao poetizar o infértil e criar espaços-tempos libertos, potentes
heterotopias afirmativas de vida, ao desritimar o sinal da fábrica,
os gritos da bolsa e o bombardeio informacional. Suspender é mover,
interromper é emancipar.
O
Enterro do Volume Morto2,
às margens do cerceado Tamanduateí3,
experimentou um cortejo fúnebre lançando ao vento as cinzas de um
contexto de privação do elementar à condição humana,
ritualizando as possibilidades de reinvenção autônoma e das vitais
disputas na reapropriação do recursos do planeta que foram
sequestrados pela ética da propriedade privada, capaz de naturalizar
a mercantilização de corpos-água-vida como desdobramentos
aceitáveis do desenvolvimento econômico.
Fluxo
indisciplinado, batuque estridente, aglutinação autônoma, objeto
de acompanhamento militar, justificado pelas forças estatais em nome
de “nossa segurança”, em uma sociabilidade violenta, planejada e
incentivada pelo poder, transformando o medo difundido em vigilância
de campo de concentração. Transeuntes acompanham o samba fúnebre,
um deles incomoda-se com a contenção policial e flui, opõe-se à
represa, grita, denúncia, emociona-se na despedida do finado e
reinventa-se no instante da experiência. Transmuta-se em água
revolta. Onde estará a garrafinha do homem fardado? Em que parte da
viatura?
A
sede de corpo sob o sol nos liga ao enterrado em infinitas dimensões,
seja no jazigo contaminado ou no velório do imobilismo. Na condição
água, em irrigação poética-política-estética-ética-autônoma,
afirmamos o transbordamento que, diante da pior seca, significará o
alagamento das cercas, muros, divisões, contenções, palácios e
quaisquer canalizações autoritárias de todo devir livre de vida.
Somos
água.
1
Lema presente na bandeira da cidade de São Paulo, em latim: “Não
sou conduzido, conduzo”
2
Intervenção Urbana realizada pelo Coletivo Território B, parte
integrante do projeto Não Consta no Mapa.
3
Rio Tamanduateí, que corta a região metropolitana de São Paulo
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