terça-feira, 21 de outubro de 2014

O•CU•PAR


o·cu·par
(latim occupo, -are)
verbo transitivo
1. Tomar ou estar na posse de. 2. Exercer o controlo sobre determinado espaço. 3. Não deixar que outrem utilize algo; tomar para si sem partilhar (ex.: ocupar a casa de banho; não quero ocupar o seu tempo). ≠ DESOCUPAR, LIBERTAR 4. Preencher um espaço ou um território. = ENCHER 5. Estar instalado em determinado lugar. = HABITAR, INSTALAR-SE, MORARDESOCUPAR 6. Instalar-se em casa ou terreno sem autorização do proprietário. ≠ DESOCUPAR 7. Exercer, desempenhar. 8. Atribuir tarefas ou dar ocupação a. 9. Embaraçar, estorvar. 10. Ser objecto de. 11. Pejar. 12. Tornar-se grávida. 13. Ter como assunto. = DEDICAR-SE, TRATAR 14. Tomar a seu cargo. = CUIDAR, TRATAR, VELAR, ZELAR 15. Entreter-se. 16. Empregar-se.



É de extrema importância que o meio seja em algum aspecto, se não em quantos puder, resultante da ação direta de quem ocupa. O espaço da lugar ao assim dito “lugar” pela ação que pode ser estética, construção com narrativas, imaginários, histórias, transformações, reformas, concertos, adequações, afetos, etc. Ele significa a própria atividade exercida nele e isso o sustenta enquanto objeto transformado e de transformação diante do sujeito passivo e ativo (7. Exercer, desempenhar. 14. Tomar a seu cargo. = CUIDAR, TRATAR, VELAR, ZELAR ). Os corpos que ocupam, nesse caso, o fazem com a propriedade de seu próprio trabalho, ou seja, com suas ferramentas, mãos, e estão sujeitos a resistência que o espaço tem para ser transformado, as limitações materiais, improvisos, soluções imediatas. O autor é o fazedor, que pode ser traduzido: poeta – 15. Entreter-se.

É claro, também há a ação indireta de ocupar e talvez ocupar nesse caso já seja por outro viés da definição. Ocupar de maneira acéptica, quando outros corpos são instrumentos de organização do espaço, onde a regra está dada, já que a estrutura de pensar o e agir no espaço é verticalizada. Se existe um projeto anterior, que pode ou não ser traçado por uma experiência com o espaço, se o sujeito da ação sobre o espaço tem uma demanda ou objetivo anterior ele, a relação orgânica com o espaço deixa de acontecer em confluência com o sujeito que a propõem (2. Exercer o controle sobre determinado espaço / 8. Atribuir tarefas ou dar ocupação ª). Esse espaço significa apenas uma grande extensão de anseios anteriores, exemplo: uma “moradia popular”, o anseio do arquiteto enquanto concepção; da empreiteira enquanto viabilidade/lucro; do mercado, enquanto produto que atende uma demanda; da política pública, enquanto demanda social e demanda imobiliária. Ou talvez, uma instalação artística, projetada por um sujeito, executada por outros, com resultado a ser friamente experienciado pelo público (3. Não deixar que outrem utilize algo;)

Não deixar que outrem utilize algo. Eis a função dos proprietários, exercida de diversas maneiras, na medida em que controlam a produção do espaço que pode ser física, simbólica, ambas ou nenhuma das duas. Seguranças, polícia, manutenção, muros, ultilização comercial e papéis são ferramentas de manter “ocupado” no sentido de não deixar que outro de fato ocupe.

O abandono do lugar o leva de novo à condição de espaço, como se chamasse à intervenção. Nessa equação o tempo de desuso empodera-o de autonomia como objeto significante em relação ao ocupante ou sujeito significador, passivo ante ruínas ou verificáveis períodos de tempo gravitando. 

6. Instalar-se em casa ou terreno sem autorização do proprietário. ≠ DESOCUPAR



(Gabriel Marcondes, Artista plástico e integrante do Coletivo Território B.) 

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Encontro com a Trupe Lona Preta.


Na segunda-feira 13, de outubro, o pessoal do Não Consta no Mapa e mais alguns parceiros convidados foram até o Jardim Guaraú, para encontrar-se com a Trupe Lona Preta.
Foi uma oportunidade para a troca de experiências, e para o aprofundamento de ideias sobre nossos trabalhos. O Lona Preta vem realizando pesquisas e montando peças teatrais para serem apresentadas, principalmente, para o público das ocupações por moradia.
Foram relatados causos e colocadas opiniões diversas. Tratamos desde questões relacionadas à poética, técnicas cênicas e dramatúrgicas, até análises sobre as atuações dos movimentos e as vidas das pessoas necessitadas de moradia.
Com esse encontro, pudemos dar continuidade às atividades de trocas com coletivos, o que é uma das intenções do Coletivo Território B desde o início do projeto.


segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Mar à vista

Mar à vista.

O projeto “Não Consta no Mapa” começou, oficialmente, num memorável encontro, a Oficina de Teatro do Oprimido que aconteceu no Centro Cultural Ocupação São João, que fica dentro dessa ocupação. Tínhamos um cronograma e ficamos empolgados com as participações que estavam ocorrendo. Sabíamos que, devido ao caráter aberto do projeto, que combina criação coletiva, intervenção, processos abertos a outros coletivos etc., tudo deveria ser constantemente revisto. Um dos fatores que também pesava muito para essa necessidade de revisão constante era o fato de estarmos trabalhando com pessoas e em locais em uma situação de insegurança, pois a reintegração de posse é uma assombração constante junto a uns e outras. De fato, na prática, tivemos que lidar mais de uma vez com isso, quando alguns de nossos planos ou ações foram impedidos ou transformados por força de acontecimentos dessa natureza… e de outras naturezas que não esperávamos!

O que ocorreu comigo, desde o começo do projeto até agora, e que durante os dois primeiros meses me colocou num estado de atordoamento (permanecer dois meses atordoado foi uma experiência exaustiva) foi que a cada semana, toda a minha percepção da problemática da luta por moradia e a minha visão da cidade de São Paulo mudavam muito. Camadas diferentes se revelavam, outras lógicas, outros modos de interpretrar, e até mesmo a capacidade de enxergar coisas até então invisíveis para mim.

Um dos pontos mais importantes nesse processo é o que se refere aos movimentos por moradia. O que são esses movimentos? Como eles acontecem? Ao penetrar no assunto, descobríamos que, além das visões diferentes e divergentes que as pessoas em torno das ocupações possuem, dentro dos movimentos existe um universo complexo e surpreendente. São muitos movimentos diferentes, alguns saídos de outros, alguns juntados com outros, com estratégias diferentes para conquistar realizações de tipos diferentes também. Estão todos lutando por moradia, mas, por exemplo, se se trata de periferia, é muito diferente de quem pleiteia um edifício já existente no centro. E o prédio no centro, no mais das vezes, não é o objetivo final, mas uma fase da luta, quando o movimento usa a ocupação de um prédio abandonado no centro para pressionar o governo a construir moradia popular na periferia.

Identificamos métodos diferentes de luta, e maneiras diferentes de se engajar, por parte dos militantes e ocupantes. Conversando, ouvimos histórias. Essas conversas, geralmente em visitas a ocupações, somaram-se a experiências nossas na Ocupação São João (intervenções, a continuidade das oficinas de Teatro do Oprimido e a mera presença constante na ocupação), e essa soma paulatinamente acrescentou perspectivas, que vinham do dia a dia e dos sentimentos de indivíduos, por sua vez muito diferentes do que podíamos ver, quando pensávamos sobre os movimentos e suas entranhas políticas. Nessas histórias e experiências surgiram as pessoas, com muitas particularidades. Elas nos trouxeram críticas e elogios aos movimentos que eram para nós verdadeiras novas informações. Havia desde a pessoa que suportava o movimento, porque não conseguia pensar em outra maneira de finalmente conseguir sua casa, até a pessoa que decididamente abraçava o “método” da ocupação como uma causa social, uma forma de vida, e que com muito orgulho tinha aprendido isso dos pais e já o ensinava aos filhos (e isso independentemente de estar militando ou não num movimento específico, ou de já ter conquistado a sua própria casa, indo viver na ocupação para ajudar na luta coletiva).

Chegamos aos poucos no ponto de olhar para essa miríade de realidades e verificar que o que antes era um espaço escondido e apenas entrevisto, era um mar. No interior das ocupações acontecem histórias que carregam um colorido próprio desta situação. Tudo o que existe “fora”, como violências domésticas, machismo, homofobia; divergências políticas; romances, amizades; etc.; também existe “dentro” das ocupações, mas elas acabam revelando uma construção cultural própria do ambiente em que ocorrem, misturando-se a outras problemáticas e experiências, como as diferenças de participação (aquele que luta e aquele que aproveita a luta do outro, por necessidade, ou por malandragem), os exercícios democráticos ou de criação coletiva (assembléias, festas, mutirões etc.) e a ameaça constante de reintegração de posse. Essa coloração própria é uma cultura, uma invenção local mediante uma realidade local.

Não temos a intenção de realizar um trabalho de pesquisa antropológica, mas são antropológicas várias das nossas buscas. Esse aspecto cultural nos animou desde a escritura do projeto, e antes disso. Nossa tentativa de olhar para um espaço e ver nele o que há de banal, ou seja, o território enquanto possibilidade em aberto pelo uso humano, e podermos assim fazer uma leitura crítica da normatização dos territórios, poder recriá-los (no nosso caso, principalmente recriá-los artisticamente, mas não só) e ter nossas percepções ampliadas pela infinidade de possibilidades de jogo no espaço, tudo isso inclui a cultura, a invenção da vida de quem está lá naquele espaço (seja qual for) onde nos demorarmos e para onde dirigimos nosso olhar. Ao perceber a vida das pessoas, dentro das ocupações, ou na luta por moradia, como cultura, sinto a possibilidade de participar, como artista, dessa elaboração e mesmo dessa luta. Não é pouca coisa; para mim pelo menos, uma vez que sei que para os movimentos, seus próprios métodos são prioridade, e para as pessoas e núcleos familiares sem teto, a conquista de um teto é a prioridade.

No entanto, essa cultura existe, e não podemos saber, ainda, onde um aprofundamento e aclaramento dessa cultura, e os desdobramentos dessa experiência, poderia nos levar. Estamos aqui pra isso. Estamos diante de um mar. E o começo do projeto, que já conta com uma grande gama de ações e que pretendemos relatar neste blog com mais detalhes, mais que um começo, é uma chegada em um lugar que já existia. Que venham as transformações!

Texto de Luciano Carvalho, músico e ator, membro do Coletivo Território B.